HAWKS NA TV –
Revi “Os homens preferem as louras”, filme de culto, supostamente adorado,
visto e revisto e que, sexta à noite, apesar da v.o., me pareceu sem interesse.
O charme desapareceu e as cenas hilariantes eram simplesmente engraçadas. Era
por causa do humor do dia? Rever filmes na tv, é antes de tudo devolvê-los à
sua heterogeneidade de base. Emum meio tão fragmentado-fragmentador como a tv, os
filmes que não tiravam sua “unidade” senão do dispositivo-sala (contrato
sala-filme-público) devem ser revistos tal qual eles são no fundo:
descosturados, mal costurados.
No caso de Hawks, é muito
surpreendente. Mas já “Monkeybussiness” só se sustenta graças à última parte,
quando tudo perde o prumo e o verdadeiro bebê entra em jogo. Em “Gentlemen
preferblondes” tudo é como que à imagem dos letreiros, muito elegantes, que
estão inseridos na canção do início (“We are twolittle girls, from Little Rock.
We live on the wrong side of
the track... ”)àmaneira de um zapear. O filme é tão somente uma
sequência de bons números musicais (com a desvantagem de ter duas estrelas que
não dançam), com um pouco de burlesco escabroso ao redor e um pouco de
arbitrário ao invés e no lugar de fantasia.
Mistério (à
medida que eu escrevo, ainda assim) deste filme que nós tínhamos como um
monumento ao passo que se trata de uma maneira muito elegante (quase um blefe)
da parte de Hawks de resolver uma equação de n variáveis. Como filmar a
“camaradagem” das mulheres é evidentemente uma questão que ele só pode resolver
no modo da analogia com a camaradagem dos homens (o velho tema hawksiano: quem
vela por quem?). Ela é pois totalmente inverossímil. Hawks sequer tentou
dissimular: as duas garotas jamais se “comunicam” (a não ser na ação), cada uma
desempenha separadamente seu papel (a cínica inocente, a sentimental
inescrupulosa), uma não ouvindo a outra (o som dos filmes da época, decididamente
cinema mudo, agrava este sentimento de autismo).
O autismo é de
certa forma o tema do filme. As garotas não se falam de verdade, os homens são
uns horrores (um velho nojento, um bilionário idiota, um tira sinistro, uma
criança já envelhecida), só resta uma coisa a fazer(esperando tudo disso):
descer as escadas “juntamente”com um ar idiotamente conquistador, afim de
ganhar tempo e de gritar seu desejo.
É talvez aí
que o filme é mais “verdadeiro” (não precisamos nos dar ao esforço de
“sustentar” nada) e menos convincente na tv. Por que? Porque todos os filmes
cuja “fachada” é a verdade última (filmes de uma só dimensão,paetado, mimético e
dissuasivo ao mesmo tempo) são aqueles para os quais a tv – e esta é sua função
cardeal - é mais dura. Certos Hitchcock, como “Intriga internacional”, eles também
feitos sob o efeito de sideração (sideração como tapa-sexo) e de sedução, pareceram-me
perder certas coisas, como uma camada de verniz, na tv. Inversamente, os filmes
construídos com a força de convicção, os valores humanos em jogo, ganham na tv
(Chaplin, Capra). No fim das contas é lógico: a sedução-cine dos anos cinquenta
está muito próxima de sua sequência-tv, dela se distinguindo mal. Vimos, desde
então, mesmo em versões medíocres ou berlusconianas, várias dessas descidas de
escadas. Essa aqui é – no gênero - a melhor (because Marilyn e Russell), mas
não dava para fazer um filme.
1988
Serge Daney – L’exercice a été profitable, Monsieur, P.O.L.
Serge Daney – L’exercice a été profitable, Monsieur, P.O.L.
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