terça-feira, 22 de abril de 2014

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               Como se passa de um plano a outro? Ou seja: afinal, por que se faz um plano depois do outro? Falávamos ontem do cineasta amador, que filma apenas um plano. Filma seus filhos ou sua mulher saindo da água, na praia... depois o natal... ou seu aniversário... Esta é aliás, a propaganda das câmeras: "filme seu filho soprando as velas"... Mas nunca há duas imagens. A Kodak diz: "Filme aquela imagem", mas não lhe diz depois: "Filme a imagem do momento em que você lhe dá uma bofetada"... Mas então, seria preciso que você estivesse interessado na vida familiar... Bom, estamos interessados na vida familiar porque a vivemos, mas seria preciso que o papai ou a mamãe que filma pensasse que o filme vai ser útil para suas relações em família; então, terá necessidade de fazê-lo; só por isso. Se não tem necessidade disso, não tem necessidade de cinema. Os cineastas amadores não fazem cinema; não têm necessidade disso. mas os cineastas profissionais introduzem não somente um plano após o outro, introduzem oitocentos planos uns atrás dos outros. Pode-se apostar (é o que acontece atualmente) que esses oitocentos planos são todos o mesmo: é um plano multiplicado por oitocentos. Então, contratam-se atores para mostrar... ou mudam-se os títulos dos filmes porque, se conservássemos o mesmo título, não haveria mais espectadores. Então, como estão embrutecidos pelo trabalho - na universidade ou na fábrica - que fizeram, não percebem que se trata do mesmo filme.


Jean-Luc Godard - Introdução a uma verdadeira história do cinema - Martins Fontes



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