Como se passa de um plano a outro? Ou
seja: afinal, por que se faz um plano depois do outro? Falávamos ontem do
cineasta amador, que filma apenas um plano. Filma seus filhos ou sua mulher
saindo da água, na praia... depois o natal... ou seu aniversário... Esta é
aliás, a propaganda das câmeras: "filme seu filho soprando as
velas"... Mas nunca há duas imagens. A Kodak diz: "Filme aquela
imagem", mas não lhe diz depois: "Filme a imagem do momento em que
você lhe dá uma bofetada"... Mas então, seria preciso que você estivesse
interessado na vida familiar... Bom, estamos interessados na vida familiar
porque a vivemos, mas seria preciso que o papai ou a mamãe que filma pensasse
que o filme vai ser útil para suas relações em família; então, terá necessidade
de fazê-lo; só por isso. Se não tem necessidade disso, não tem necessidade de
cinema. Os cineastas amadores não fazem cinema; não têm necessidade disso. mas
os cineastas profissionais introduzem não somente um plano após o outro,
introduzem oitocentos planos uns atrás dos outros. Pode-se apostar (é o que
acontece atualmente) que esses oitocentos planos são todos o mesmo: é um plano
multiplicado por oitocentos. Então, contratam-se atores para mostrar... ou
mudam-se os títulos dos filmes porque, se conservássemos o mesmo título, não
haveria mais espectadores. Então, como estão embrutecidos pelo trabalho - na
universidade ou na fábrica - que fizeram, não percebem que se trata do mesmo
filme.
Jean-Luc Godard - Introdução a uma verdadeira
história do cinema - Martins Fontes
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