domingo, 20 de abril de 2014

ENTRE AS COISAS




Caçada trágica

13 de dezembro de 1975, quarenta e duas pessoas partem para Java, para caçar o crocodilo. Vinte e oito homens e catorze mulheres. Eles alugam dois barcos e avançam, carregados de provisões, ao longo do rio.
Quando chegam ao local – um espelho de água no pé de um rochedo imenso e sinistro – os crocodilos viram as embarcações e comem todo mundo. Provisões incluídas.


Michelangelo Antonioni – Ce bowling sur le Tibre –Éditions Images Modernes



O silêncio

No início, um diálogo breve, no decorrer do qual é colocada em evidência uma confusão que os dois esposos se dissimulam há anos. Sempre a mesma rotina, sempre a mesma tristeza. Mas, visto que finalmente, por acaso, eles começaram a falar, a mulher quer ir até o fim.
- Reconheça que acabou. Assim tudo ficará claro e a gente vai saber o que deve ser feito. Basta sabermos o que queremos. Não é verdade? Responda. É verdade?
O homem balança a cabeça sem nada dizer. Ela também se cala. Agora que tudo está claro, agora que eles são sinceros, eles não têm nada a se dizer. Filmar desta vez não seus diálogos, mas seus silêncios, suas palavras silenciosas. O silêncio como a dimensão negativa das palavras.

Michelangelo Antonioni – Écrits – Éditions Images Modernes



Há alguns anos, eu fiz uma viagem ao norte da europa, no final do outono. Peguei um helicóptero e fui ver como viviam os habitantes de uma pequena ilha do arquipélago finlandês, local de vilegiatura no verão, deserto no inverno - com exceção dos indígenas. Havia dois ou três homens que cortavam madeira, o mesmo número de mulheres cozinhando em suas casas, algumas crianças brincando. Pinheiros, bétulas, gelo, neve, vozes aveludadas, risos de criança: uma atmosfera de uma serenidade tal que a gente ficava ao mesmo tempo encantado e desconcertado.
                Se eu tivesse filmado um documentário nesse canto da Finlândia nesse dia, que tipo de atividade eu estaria fazendo? Qual “verdade” eu teria exprimido? Provavelmente nenhuma, exceto a referente à curiosidade que sentiam aquelas poucas pessoas ao nos ver. É a habitual melancolia das viagens: não poder participar da realidade que se visita, sermos sempre e inexoravelmente intrusos; como tal condenados a ver essa realidade se transformar uma vez que ela entra em contato conosco. É como o estudo do microcosmo: transformamos um fenômeno ao observá-lo, a partícula que tentamos observar muda de trajetória. Em outros termos, a observação da realidade é impossível se não for feita no plano poético.

Michelangelo Antonioni – Écrits – Éditions Images Modernes





Lo sguardo di Michelangelo - Michelangelo Antonioni (2004)



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