Caçada trágica
13 de dezembro
de 1975, quarenta e duas pessoas partem para Java, para caçar o crocodilo.
Vinte e oito homens e catorze mulheres. Eles alugam dois barcos e avançam,
carregados de provisões, ao longo do rio.
Quando chegam
ao local – um espelho de água no pé de um rochedo imenso e sinistro – os
crocodilos viram as embarcações e comem todo mundo. Provisões incluídas.
Michelangelo Antonioni – Ce bowling
sur le Tibre –Éditions Images Modernes
O silêncio
No início, um
diálogo breve, no decorrer do qual é colocada em evidência uma confusão que os
dois esposos se dissimulam há anos. Sempre a mesma rotina, sempre a mesma
tristeza. Mas, visto que finalmente, por acaso, eles começaram a falar, a
mulher quer ir até o fim.
- Reconheça
que acabou. Assim tudo ficará claro e a gente vai saber o que deve ser feito.
Basta sabermos o que queremos. Não é verdade? Responda. É verdade?
O homem
balança a cabeça sem nada dizer. Ela também se cala. Agora que tudo está claro,
agora que eles são sinceros, eles não têm nada a se dizer. Filmar desta vez não
seus diálogos, mas seus silêncios, suas palavras silenciosas. O silêncio como a
dimensão negativa das palavras.
Michelangelo Antonioni – Écrits –
Éditions Images Modernes
Há alguns
anos, eu fiz uma viagem ao norte da europa, no final do outono. Peguei um
helicóptero e fui ver como viviam os habitantes de uma pequena ilha do
arquipélago finlandês, local de vilegiatura no verão, deserto no inverno - com
exceção dos indígenas. Havia dois ou três homens que cortavam madeira, o mesmo
número de mulheres cozinhando em suas casas, algumas crianças brincando. Pinheiros,
bétulas, gelo, neve, vozes aveludadas, risos de criança: uma atmosfera de uma
serenidade tal que a gente ficava ao mesmo tempo encantado e desconcertado.
Se
eu tivesse filmado um documentário nesse canto da Finlândia nesse dia, que tipo
de atividade eu estaria fazendo? Qual “verdade” eu teria exprimido?
Provavelmente nenhuma, exceto a referente à curiosidade que sentiam aquelas
poucas pessoas ao nos ver. É a habitual melancolia das viagens: não poder
participar da realidade que se visita, sermos sempre e inexoravelmente
intrusos; como tal condenados a ver essa realidade se transformar uma vez que
ela entra em contato conosco. É como o estudo do microcosmo: transformamos um
fenômeno ao observá-lo, a partícula que tentamos observar muda de trajetória.
Em outros termos, a observação da realidade é impossível se não for feita no
plano poético.
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