Quando tenho vontade de repetir "um filme é um filme", é também com relação às críticas que a gente pode ler por toda parte, pois com frequência trata-se da história, eventualmente dos personagens, às vezes dos atores. Mas do fato que é um filme, quer dizer, algo que deve ter uma verdade de filme, no sentido em que Cézanne falava da verdade da pintura, logo uma verdade material, que algo se sustente na tela, como um quadro deve se sustentar na parede, na tela, isso é algo que raramente está em questão. Eu admito que é algo muito difícil de falar com palavras, é antes algo da ordem da intuição... há um sentimento que isso existe ou não existe, esse sentimento é muito arbitrário., é muito difícil de tentar justificá-lo, e com frequência temos vontade de dizer "é assim".
O que faz com que tal livro, ou tal quadro, ou tal música, ou tal filme, existam? Que eles tenham uma existência enquanto quadro, enquanto romance, enquanto poema, enquanto sinfonia, enquanto filme? Esta é é questão fundamental, e é dela que todos fogem.
Eu sou um dos responsáveis pelo destaque dado ao termo mise en scéne, porque isso permitia que se colocasse uma palavra sob mistério. Mas uma vez que se disse "mise en scène", o que se entende por essa expressão?
Isso diz respeito ao fato que a mise en scène é um trabalho muito preciso. E mesmo que cada um o faça a sua maneira, que felizmente não é a mesma do vizinho, pois de outro modo não seria interessante, cada um secreta sua própria técnica. Mas ao mesmo tempo todos parecem falar da mesma coisa. É isso que, nos Cahies du cinéma, surpreendia com frequência nossos primeiros leitores: Bazin, por exemplo, que ficava ao mesmo tempo intrigado e desconcertado com a gente, ainda que ele gostasse muito de nós e ainda que nós o respeitássemos profundamente. "O que permite que vocês defendam ao mesmo tempo Renoir, Rossellini e Hitchcock?" Era óbvio que, para Rossellini, Hitchcock era o diabo. Por outro lado, Hitchcock sabia que Rosssellini existia (visto que ele "tomou" Ingrid Bergman dele), mas ele, alguma vez na vida, viu um filme de Rossellini? Eu não sei. Essa era provavelmente a menor de suas preocupações!... E bem, sim: havia alguma coisa que fazia com que pudéssemos admirar, ao mesmo tempo e no mesmo nível - não do mesmo modo, mas de um modo tão forte quanto - Rossellini e Hitchcock. É isso que a gente devia tentar resolver.
Fala-se em roteiros, em temas e em retorno de temas, mas isso é uma armadilha. Pode acontecer, por que não, que existam temas favoritos para certos grandes cineastas: em Ozu, é evidente, em Mizoguchi menos. Mas com outros cineastas, em Hawks por exemplo, isso demanda um trabalho de ajuste. E em Renoir, é muito vago: qual seria o ponto comum entre A cadela e A carruagem de ouro; podemos muito bem dizer que é o teatro, mas seria um pouco precipitado! E entre O rio sagrado e La nuit du carrefour... há dezessete anos e muitos quilômetros!... São questões verdadeiras. E há outras questões, que ficam sempre em suspenso, como se as pessoas fugissem delas, porque isso as obrigaria a se perguntarem: o que é um filme? O que se espera de um filme? Por que nos colocamos diante de uma tela branca, da mesma forma que pegamos um livro e começamos a ler a primeira linha tendo a intenção de chegar até a página 363? O que se espera realmente nesse momento?
Jacques Rivette - entrevistas publicadas nos nºs 10(verão de 1999) e 11(outono de 1999) de Lettre du cinéma e republicadas no nº 720, março de 2016
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