Trata-se de um encontro ao mesmo
tempo calculado e aleatório entre o corpo e a câmera, descobrindo alguma coisa,
construindo um ângulo, um volume, uma curva, seguindo um traço, uma linha,
eventualmente uma ruga. E depois, bruscamente, o corpo se des-organiza,
torna-se uma paisagem, uma caravana, uma tempestade, uma montanha de areia,
etc. É o contrário do sadismo, que recortava a unidade. O que faz a câmera de Schroeter[1],
é não detalhar o corpo para o desejo, é construir o
corpo como uma massa e fazer nascer dele
imagens que são imagens do prazer e para o prazer. No ponto de encontro sempre
imprevisto da câmera (e de seu prazer) com o corpo (e as pulsações de seu
prazer) nascem essas imagens, prazeres de múltiplas entradas.
O sadismo era anatomicamente
comportado e, se ele se enfurecia, era no interior de um manual de anatomia
bastante razoável. Não há loucura orgânica em Sade. Querer retranscrever Sade,
esta anatomia meticulosa, em imagens precisas, não funciona. Ou Sade
desaparece, ou se faz um cinema de papai.
Os nazistas eram empregadas
domésticas no mau sentido do termo. Eles trabalhavam com panos de chão e
vassouras, queriam purgar a sociedade de tudo que consideravam ser sânies,
poeira, lixo: sifilíticos, homossexuais, judeus, sangues impuros, negros,
loucos. É o sonho infecto pequeno-burguês da limpeza radical que sustentava o
sonho nazista.
Eros ausente.
Dito isto, não é impossível que,
de maneira local, tenha havido, no interior dessa estrutura, relações eróticas
que ligavam, no afrontamento, o corpo a corpo entre o carrasco e o torturado.
Mas foi acidental.
O problema que se coloca é saber
por que hoje nós imaginamos ter acesso a certos fantasmas eróticos através do
nazismo. Por que essas botas, esses capacetes, essas águias, pelas quais nos
fascinamos constantemente, e sobretudo nos Estados Unidos? Não seria a
incapacidade onde nos encontramos de viver realmente o grande encantamento do
corpo desorganizado, que nos faz nos deslocarmos para um sadismo meticuloso,
disciplinar, anatômico. O único vocabulário que possuímos para retranscrever
esse grande prazer do corpo em explosão seria essa triste fábula de um recente
apocalipse político? Não poder pensar a intensidade do presente senão como o
fim do mundo em um campo de concentração? Veja como nosso tesouro de imagens é
pobre! E como é urgente fabricar um novo ao invés de chorar com resmungos de
"alienação" e de vilipendiar o "espetáculo".
[1] Werner Schroeter, cineasta alemão (1945-2010)
Michel Foucault - Sade, sargent du sexe (Dits et écrits I) - Gallimard
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